Inteligência artificial na saúde

Inteligência artificial na saúde

Tempo de leitura: 8 minutos

Carolina Maria Xaubet Olivera é Doutora em Ciências e Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, atua no Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos – Cebrim, do Conselho Federal de Farmácia.

*Declaro ausência de conflitos de interesses e expresso a minha opinião pessoal sobre o tema baseada em evidências.

O que é Inteligência Artificial?

A inteligência artificial (IA) é um conjunto tecnologias diferentes trabalhando juntas para permitir que as máquinas e sistemas exibam capacidades semelhantes às humanas, como raciocínio, aprendizagem, planejamento e criatividade. 

O aprendizado de máquina, por sua vez, é um subconjunto da IA que permite automaticamente que uma máquina ou um sistema aprenda e melhore com base na experiência. Em vez de programação explícita, o machine learning usa algoritmos para analisar grandes volumes de dados, aprender com os insights e tomar decisões embasadas em evidências.

A IA contribui para que as empresas se adaptem rapidamente, com um fluxo regular de insights para impulsionar a inovação e a vantagem competitiva num mundo em constante disrupção. Quando dimensionada, a IA pode tornar-se um facilitador essencial das suas prioridades estratégicas e já faz parte de nosso presente e será inerente ao nosso futuro.

Quais são os benefícios, riscos e limitações da Inteligência Artificial? 

A IA pode, entre muitos benefícios, melhorar o acesso à informação sobre saúde, como uma ferramenta de apoio à decisão, ou mesmo para aprimorar a capacidade de diagnóstico em locais com poucos recursos para proteger a saúde das pessoas e reduzir a desigualdade; automatizar processos complexos e minimizar o tempo de inatividade, prevendo as necessidades de manutenção; descobrir lacunas e introduzir novos produtos e serviços; aumentar a produtividade do trabalho e agilizar o atendimento ao usuário, resultando em satisfação pelo serviço prestado.

Em relação às deficiências da IA, pode-se citar o processo imperfeito de extrair dados de tantas fontes diferentes e potencialmente conflitantes.  Por isso, é importante revisar e verificar cuidadosamente qualquer informação fornecida pela IA, que também deixa a desejar em sua capacidade de interpretar emoções humanas.

Em relação aos riscos, citam-se os riscos éticos, legais e regulamentares. Como exemplo, certos riscos podem ser abordados em cada fase da cadeia de valor da IA, e é provável que certos intervenientes desempenharem papéis mais importantes na mitigação de cada risco e na defesa dos valores éticos, enquanto é provável que haja desacordo e tensão sobre onde reside a responsabilidade entre os desenvolvedores, fornecedores e implantadores. Além disso, ataques maliciosos ou hackers podem minar a segurança e a confiança no uso de LMMs na área da saúde. 

Aplicação da Inteligência Artificial nos serviços de saúde

Visando estabelecer uma governança global para o futuro da IA na saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou um Guia em que estabelece suas diretrizes sobre ética e governança de Modelos de Linguagem de Grande Escala (LMMS, sigla em inglês).

A OMS estabeleceu cinco campos de aplicação para LMMs na área da saúde: 

  • Diagnóstico e atendimento clínico, como responder às dúvidas por escrito dos pacientes;
  • Uso orientado pelo paciente, como para investigação de sintomas e tratamento;
  • Tarefas administrativas e de escritório, como documentar e resumir consultas de pacientes em registros eletrônicos de saúde;
  • Educação médica e de enfermagem, incluindo proporcionar aos estagiários encontros simulados com pacientes, e;
  • Pesquisa científica e desenvolvimento de medicamentos, inclusive para identificação de novos compostos.

Lembrando que os dados precisam ser recolhidos, utilizados, geridos e armazenados de forma segura e responsável, dentro dos limites éticos e legais estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Algoritmos de Inteligência artificial x resistência antimicrobiana

Recentemente, os investigadores da Cleveland Clinic desenvolveram algoritmos de Inteligência artificial, estes preveem com precisão a resistência aos antimicrobianos em infecção do trato urinário (ITU). Essas ferramentas podem melhorar os resultados dos pacientes, reduzir o tempo de resolução dos sintomas e melhorar a administração de antimicrobianos em nível populacional. O objetivo da nova pesquisa foi criar algoritmos de aprendizado de máquina que previssem com precisão a sensibilidade aos medicamentos para ITU antes que os resultados da cultura estivessem disponíveis, diminuindo o tempo para a resolução dos sintomas, minimizando a necessidade de terapia antimicrobiana prolongada e reduzindo a carga de trabalho do paciente e do médico.

Dr. Werneburg e coautores desenvolveram um algoritmo de aprendizado de máquina para cada um dos 11 antimicrobianos, incluindo vancomicina e nitrofurantona. Os algoritmos incorporaram uma série de fatores de risco conhecidos e supostos para resistência antimicrobiana. Os dados de cultura nos quais os modelos foram treinados provinham do prontuário eletrônico da Cleveland Clinic, coletados em todo o sistema de saúde ao longo de sete anos. Por meio do prontuário eletrônico, foram identificadas uroculturas com sensibilidades medicamentosas conhecidas.

Os resultados têm implicações importantes para a redução da resistência aos antimicrobianos por meio de uma terapia direcionada com mais precisão para ITU. Os pesquisadores acreditam que o uso clínico dos algoritmos garantirá que os pacientes com estas infecções muito comuns obtenham o tratamento ideal mais rapidamente e com menor custo para o sistema de saúde.

Desenvolvimento de novos fármacos

A doença de Parkinson é o distúrbio neurodegenerativo do movimento, afetando 2–3% da população com mais de 65 anos de idade. A agregação de α-sinucleína (αS) tem sido associada aos processos neurodegenerativos iniciais subjacentes a esta doença, nos quais a acumulação patológica de proteínas mal dobradas resulta em toxicidade neuronal. Os sintomas motores aparecem quando esta patologia afeta a substância negra. Uma vez que foi demonstrado que os agregados αS exibem vários mecanismos de toxicidade celular, grandes esforços estão sendo investidos na identificação de compostos que podem inibir os mecanismos de agregação αS.

Pesquisadores da Universidade de Cambridge desenvolveram e utilizaram uma estratégia baseada em IA para identificar compostos com potencial para tratar a doença neurodegenerativa. Os autores descrevem uma abordagem de aprendizado de máquina para explorar o espaço químico para identificar compostos que inibem a agregação de αS.

Pode-se esperar que os métodos computacionais reduzam o tempo e o custo dos canais tradicionais de descoberta de medicamentos. 

Questões éticas 

Diante desses desafios, recomenda-se que os decisores políticos garantam a segurança e a proteção, criem agências reguladoras específicas para avaliação e aprovação de LMMs; definam padrões para o desenvolvimento e implantação de LMMS na assistência à saúde; forneçam infraestrutura pública; publiquem leis para garantir conformidade ética e direitos humanos na aplicação dessas tecnologias na área da saúde. Também é importante ser capaz de identificar a responsabilidade ao longo da cadeia de desenvolvimento, fornecimento e implantação de LMMs e aplicações para garantir que uma vítima de danos possa reivindicar indenização, independentemente da dificuldade de atribuir culpa e das responsabilidades das diferentes entidades envolvidas no desenvolvimento e implantação da tecnologia.

Os seis princípios fundamentais identificados pela OMS são: proteger a autonomia; promover o bem-estar humano, a segurança humana e o interesse público; garantir transparência, explicabilidade e inteligibilidade; fomentar a responsabilidade e a prestação de contas; garantir a inclusão e a equidade; promover uma IA ágil e sustentável.

Considerações Finais

Os farmacêuticos precisam estar constantemente atualizando os seus conhecimentos para acompanhar o avanço da tecnologia, entre elas a IA para fornecer um serviço de excelência nas áreas de sua atuação profissional. Encontrar o equilíbrio entre inovação e proteção de direitos, supervisão adequada, limites apropriados e prática são essenciais ao aplicar a nova tecnologia.

Referências

Accenture. Inteligência Artificial. 2024. Disponível em: https://www.accenture.com/us-en/insights/artificial-intelligence-summary-index 

Cleveland Clinic. AI Algorithms Accurately Predict Antibiotic Resistance in UTI. 2024. Disponível em: https://consultqd.clevelandclinic.org/ai-algorithms-accurately-predict-antibiotic-resistance-in-uti?utm_medium=social&utm_source=linkedin&utm_campaign=cc+li+posts 

Cleveland Clinic. Artificial Intelligence: The Future of Recruiting and Sourcing? 2024. Disponível em: https://consultqd.clevelandclinic.org/artificial-intelligence-the-future-of-recruiting-and-sourcing 

Horne RI, Andrzejewska EA., Alam P et al. Discovery of potent inhibitors of α-synuclein aggregation using structure-based iterative learning. Nat Chem Biol 20, 634–45 (2024). https://doi.org/10.1038/s41589-024-01580-x

World Health Organization – WHO. Ethics and governance of artificial intelligence for health: WHO guidance. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/341996/9789240029200-eng.pdf?sequence=1 

World Health Organization – WHO. Ethics and governance of artificial intelligence for health. Guidance on large multi-modal models. Geneva: World Health Organization; 2024. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Disponível em: https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/375579/9789240084759-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y 

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