Estudo in vitro e in vivo sobre a estimulação do Sistema Imunitário contra o Câncer utilizando o Fitoquímico Curcumina

Estudo in vitro e in vivo sobre a estimulação do Sistema Imunitário contra o Câncer utilizando o Fitoquímico Curcumina

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A Dra. Rayane Ganassin é Farmacêutica, Doutora em Nanociência e Nanobiotecnologia e hoje irá compartilhar com o Diário Farma informações super atuais em relação ao câncer e a curcumina.

Diante dos crescentes novos casos de câncer é evidente a necessidade de se estudar novos esquemas terapêuticos na tentativa de encontrar soluções menos agressivas aos pacientes e com melhores resultados. Câncer é o nome dado ao conjunto de mais de 100 doenças que tem em comum o crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos, formando metástase (INCA 2019), e é caracterizado pela acumulação de um número variável de alterações genéticas e pela perda de processos regulatórios normais das células (Tian et al. 2011). O câncer começa a surgir quando as etapas de crescimento e morte das células estão fora de controle. Portanto, células cancerosas mantém o crescimento e geram novas células de forma desordenada (American Cancer Society 2016).

Ao longo da vida nos organismos surgem células alteradas que são identificadas e eliminadas por mecanismos de defesa (INCA 2019). O sistema imunitário é altamente específico na detecção e eliminação de agentes infecciosos (vírus, bactérias e fungos), e existem também, diversas evidências de que contribui significativamente para os mecanismos de defesa contra o câncer, apresentando uma grande complexidade de vias de ação. Porém, grande parte dos mecanismos de defesa do organismo contra células tumorais ainda não foram definidos. Neste contexto, a área da biologia do câncer é altamente promissora para a melhor compreensão dos eventos que geram as neoplasias e para o desenvolvimento de novas estratégicas terapêuticas contra o câncer (Weinberg 2014).

Quimioterápicos e radioterápicos podem oferecer vantagens diante de outros agentes anticâncer pelo fato de matar células cancerosas ativando uma resposta imunitária específica. Resultados pré-clínicos e clínicos sugerem que as respostas imunitárias específicas para células cancerosas podem ser responsáveis, pelo menos em parte, para o sucesso clínico dos esquemas terapêuticos que dependem de indutores de morte celular imunogênica (Kepp et al. 2011, 2013). Morte celular imunogênica ocorre de forma sequencial envolvendo mudanças na superfície celular e liberação de mediadores. É uma via proeminente para a ativação do sistema imunitário contra o câncer, que pode resultar no sucesso de terapias anticâncer ao longo prazo, devido às respostas imunitárias específicas, aumentando assim a eficácia da terapia em comparação com os agentes anticâncer convencionais utilizados (Kroemer et al. 2013). Isto implica que a eficiência dos agentes anticâncer que são indutores de morte celular imunogênica não se deve somente às suas propriedades farmacodinâmicas, mas também à capacidade das células cancerosas emitirem os sinais adequados para a morte celular ser interpretada como imunogênica, a capacidade do sistema imunitário do hospedeiro em reconhecer esses sinais e a capacidade de gerar uma robusta resposta imunitária contra as células cancerosas (Kepp et al. 2013).

Apesar de existirem diversos tratamentos para os vários tipos de cânceres, ainda há limitações incluindo resistência, eficácia limitada e efeitos colaterais severos (toxicidade dos fármacos), tornando necessário o desenvolvimento de novas terapias capazes de evitar metástases e aumentar a sobrevida dos pacientes (Gallagher and Kemeny 2010; Sanchez-Castañón et al. 2016). Neste contexto, compreender os mecanismos do sistema imunitário contra tumores é algo promissor para se desenvolver terapias mais eficazes. 

Processos associados à morte celular imunogênica podem resultar na emissão de moléculas (mediadores) chamadas Padrões Moleculares Associados a Danos (do inglês, DAMPs), dentre as quais podem ser citadas aquelas que são expostas na membrana plasmática, como as proteínas de choque térmico (HSP70 e HSP90) e calreticulina, as que são secretadas para o ambiente extracelular, como proteínas HMGB1, ácido úrico e citocinas e aquelas que surgem como produtos de degradação, como ATP, DNA e RNA. Essas moléculas podem ativar células do sistema imunitário, tal como, as células apresentadoras de antígenos que apresentam antígenos para as células T (linfócitos T) (Garg et al. 2010). A calreticulina é a proteína mais abundante no lúmen do retículo endoplasmático e em resposta à ação de indutores de morte celular imunogênica esta transloca do lúmen do retículo endoplasmático para a membrana da célula em estresse. Existe um consenso de que estresse no retículo endoplasmático é necessário para que haja a exposição de calreticulina na membrana celular, mas o mecanismo exato ainda não está totalmente elucidado (Kroemer et al. 2013). Porém, sabe-se que o retículo endoplasmático está envolvido na morte celular imunogênica.

Estímulos que interferem no funcionamento do retículo endoplasmático induzem a formação de proteínas em resposta a esse estresse que promovem a sobrevivência e o crescimento das células cancerosas, ou seja, promovem a restauração do funcionamento normal desta organela. Este mecanismo pode conferir resistência à ação de radiação e de quimioterápicos, no entanto, um efeito prolongado de estresse no retículo endoplasmático pode superar estes mecanismos de proteção celular levando a morte celular (Bakhshi et al. 2008). A curcumina, um fitoquímico isolado do rizoma da planta Curcuma longa, possui ação antioxidante e anti-inflamatória e estudos indicam que é um potente inibidor da proliferação de células cancerosas (Bakhshi et al. 2008; Pae et al. 2007; Ravindran, Prasad, and Aggarwal 2009). É conhecido que a curcumina desencadeia acúmulo de cálcio (Ca2+) no citosol aumentando o estresse no retículo endoplasmático (Bakhshi et al. 2008). Estudos demostraram a capacidade da curcumina em causar apoptose devido ao estresse no retículo endoplasmático (Pae et al. 2007). Além disso, existem estudos que demostram a ação sensibilizante da curcumina na terapia combinada com um agente anticâncer, provocando maiores efeitos em vias que levam à morte celular (Bava et al. 2005). Sendo assim, a curcumina apresenta potencial em promover morte celular imunogênica em células cancerosas.

Porém a eficácia terapêutica da curcumina é limitada devida sua baixa solubilidade em meio aquoso, rápida degradação e metabolização e baixa biodisponibilidade (Wang et al. 2015; Yallapu et al. 2014), por este motivo, faz-se necessário o desenvolvimento de um veículo de entrega adequado. Nanopartículas lipídicas são partículas coloidais compostas por diversos lipídeos que apresentam vantagens como um carreador de fármaco por possuir baixa toxicidade, capacidade de proteger fármacos de degradação química e por permitir uma liberação controlada destes fármacos (Wang et al. 2015). Portanto, a curcumina pode ter suas propriedades aprimoradas quando associada às nanopartículas lipídicas.

Levando em consideração que diversos estudos apontam que a curcumina tem se mostrado um inibidor da proliferação de células cancerosas, foi investigado, por pesquisadores do Laboratório de Nanobiotecnologia da Universidade de Brasília (UnB), o seu potencial como indutora de morte celular imunogênica. Os objetivos principais deste estudo foi investigar se a curcumina é capaz de gerar morte celular imunogênica e desenvolver uma nanopartícula biocompatível, sem o uso de solventes orgânicos, para aumentar sua biodisponibilidade por administração oral em testes futuros (Ganassin, Da Silva, et al. 2022; Ganassin, Oliveira, et al. 2022). 

As células utilizadas nos experimentos in vitro e in vivo foram as células de carcinoma colorretal murino (células de camundongos). Os resultados in vitro mostraram que a curcumina induziu apoptose e fragmentação do DNA nestas células. Além disso, a curcumina induziu a exposição dos DAMPs calreticulina e HSP90 na parede externa da membrana plasmática e a liberação dos DAMPs HMGB1, ATP e IL-1β a partir das células (Ganassin, Oliveira, et al. 2022). Lembrando que estes DAMPs (mediadores) podem ativar células do sistema imunitário contra células tumorais.

Para os ensaios in vivo, camundongos foram vacinados no flanco inferior esquerdo, duas vezes, com um intervalo de 10 dias, com células de carcinoma colorretal murino tratadas com nanopartículas lipídicas sólidas contendo curcumina. Sete dias após a última vacinação, os camundongos foram desafiados com células de carcinoma colorretal murino viáveis, ou seja, células tumorais foram inoculadas no flanco inferior direito de cada camundongo. Os camundongos foram então observados quanto ao desenvolvimento do tumor no flanco inferior direito por 28 dias. Este projeto foi aprovado pelo comitê de ética no uso de animais da Universidade de Brasília (Ganassin, Oliveira, et al. 2022). 

Foi observado que as células de carcinoma colorretal murino que foram tratadas com nanopartículas lipídicas sólidas contendo curcumina se mostraram imunogênicas em experimentos in vivo, pois de 80 a 100% dos camundongos vacinados com essas células eram resistentes a um desafio subsequente com células viáveis. Em conjunto, esses resultados sugerem que a curcumina é um indutor de morte celular imunogênica. Outros estudos podem se concentrar nessa atividade em outras linhagens celulares e investigar a possível ativação do sistema imunológico por tumores tratados com curcumina em modelos de câncer estabelecidos in vivo (Ganassin, Oliveira, et al. 2022).

O presente estudo mostrou que a curcumina não é apenas tóxica para as células cancerosas, mas também indutora de morte celular imunogênica. Esta observação traz mais elucidações sobre o mecanismo de ação da curcumina. Esse achado é de grande relevância considerando que a eficácia de certas terapias contra o câncer, como quimioterapia à base de antraciclinas, terapia fotodinâmica e radioterapia, também pode contar com sua capacidade de restabelecer a imunovigilância do câncer. Além disso, a imunoterapia se beneficiou de ferramentas desenvolvidas nos últimos anos, que podem contornar as estratégias de evasão imunológica das células cancerosas e reeducar o sistema imunitário do hospedeiro para detectar e eliminar estas células tumorais. Assim, o uso da curcumina permite não apenas eliminar diretamente as células cancerosas, mas também auxiliar a induzir uma resposta imunitária contra células tumorais (Ganassin, Oliveira, et al. 2022).

Referências

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