Atuação farmacêutica na saúde mental

Atuação farmacêutica na saúde mental

Tempo de leitura: 7 minutos

Rachel Bedatt Silva é Farmacêutica formada pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Saúde Mental pelo Programa de Residência Multiprofissional da Secretaria de Saúde do DF. Cursando pós-graduação em Farmácia Clínica. Membro da Regional do Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Farmácia Clínica. Atualmente atua como Farmacêutica Clínica no Hospital DF Star.

Área de atuação

Saúde Mental

1- Em linhas gerais, como é a sua área de atuação?

O cuidado ampliado compreende a pessoa de forma integral e singular, os seus valores, seu meio social, o seu psíquico e o seu biológico. Na Saúde Mental essa prática é a essência dos profissionais de saúde. Se não houver equilíbrio entre essas três esferas (biopsicossocial), não há saúde mental e, consequentemente, não há saúde. O que nos leva a uma percepção de cuidado ampliado, centrado na pessoa, considerando toda a sua singularidade. O cuidado interdisciplinar passa a ser imprescindível para atender de forma mais assertiva à complexidade exigida. 

2- Explique-nos resumidamente sobre as principais atividades farmacêuticas que você desenvolve diariamente:

O farmacêutico apresenta-se como parte da equipe de saúde mental, contribuindo principalmente com os seus conhecimentos em farmacologia, fisiologia, química e gestão farmacêutica, que somados às habilidades desenvolvidas na área de Saúde Mental, é possível realizar atividades como: escuta qualificada, acolhimento, intervenção em crise, oficinas e grupos terapêuticos, práticas integrativas, avaliação de condição da saúde, análise de risco, Redução de Danos, mapeamento de rede, visita domiciliar e, principalmente, trabalho em equipe.

De modo geral, o cuidado farmacêutico e a escuta qualificada são as bases das atividades desenvolvidas diariamente pelo farmacêutico na Saúde Mental. Algumas pesquisas mostram que as pessoas atribuem significados aos seus medicamentos e isso torna a abordagem do farmacêutico muito mais complexa. Pesquisadoras renomadas no Brasil abordam este tema, como a Profa. Dra. Rosana Onocko Campos e a Profa. Dra. Djenane Ramalho de Oliveira e suas respectivas equipes, por exemplo. Elas mostram que o profissional de saúde fica restrito em esclarecer a prescrição médica e/ou se esforçam para que a pessoa a cumpra, sem oferecê-la um espaço real de escuta, que a permita falar dos seus medos/angústias/desabafos/crenças em relação aos seus medicamentos. Espaços de escuta como estes, permitem que a pessoa seja parte ativa do processo terapêutico, promovendo o uso racional dos medicamentos.

Na saúde mental realizam-se atendimentos individuais e em grupos, sendo o acompanhamento farmacoterapêutico um destes atendimentos. Trata-se do processo em que o farmacêutico acompanha a experiência da pessoa com os seus medicamentos e busca estratégias em conjunto com ela para aprimorar o tratamento. Neste acompanhamento estão incluídas as práticas de educação em saúde, adesão medicamentosa, gestão de condição de saúde, onde ocorre a avaliação de reações adversas (RAM) etc., planejamento e encaminhamentos e/ou atendimento em conjunto com outros profissionais e especialidades necessárias para colaborar com o tratamento. Uma ferramenta muito utilizada na saúde mental, é o Guia de Gestão Autônoma da Medicação (Guia GAM), uma estratégia que busca a participação ativa do usuário no seu tratamento.

Também são realizadas oficinas e grupos terapêuticos compreendendo que estes espaços de convivência, identificação com os pares e ferramentas que permitem o acompanhamento mais próximo da pessoa em sofrimento são essenciais para compor o plano terapêutico. Nestes espaços são realizadas diversas atividades, podendo ser produção cultural (teatro, dança, música, pinturas…), práticas integrativas (Reiki, automassagem, yoga…), entre outras.

A intervenção em crise, uma prática realizada por qualquer membro da equipe de saúde mental, trata-se do atendimento imediato à pessoa que está em situação de crise, seja ela uma crise psicótica, crise de ansiedade ou uma ideação suicida. Nestes casos, são utilizadas técnicas para tranquilizar a pessoa e direcioná-la ao equilíbrio.

No campo álcool e outras drogas, estão as práticas de redução de danos, que se baseiam na redução dos danos que uso abusivo de álcool e outras drogas pode causar, oferecendo um cuidado centrado na pessoa e não unicamente no uso destas substâncias. Outro cuidado oferecido é a cessação do tabagismo, por meio de um programa estruturado e com acompanhamento interdisciplinar.

Visitas domiciliares também é uma das atividades desenvolvidas, onde é possível compreender o contexto familiar, o território que a pessoa está inserida, sua rede de apoio e seu meio social.

3- Como funciona a transdiciplinariedade ?

São atividades praticadas nos serviços de Saúde Mental que ultrapassam as especialidades. Elas permitem que diferentes profissionais atuem em conjunto de forma igualitária, sem delimitar as suas atribuições que são muitas e, é claro que o profissional sempre terá uma visão voltada para a sua formação de origem, porém a sua atuação será mais ampla, permitindo uma visão holística da pessoa que está sendo atendida. São exemplos destas abordagens: as Práticas Integrativas e Complementares, como Terapia Comunitária, Floralterapia, Reiki, Yoga, acupuntura, entre outras. Atualmente, faço parte de uma equipe que aborda este tema com mais profundidade e tem como objetivo aproximar e capacitar profissionais/estudantes à estas práticas. Se quiser conhecer mais, veja a página no Instagram @equipe.interativas.

4- Como funciona a rotina de saúde mental no contexto hospitalar?

Como a rotina hospitalar é diferente da comunitária, achei importante adicionar um tópico específico sobre ela. Primeiro, seguimos com o mesmo princípio, um atendimento centrado na pessoa. E para isso, é importantíssima a integração com as diversas especialidades envolvidas.  Sabendo-se que em sua maioria a escolha do medicamento psiquiátrico é baseada na tolerabilidade das reações adversas pelo paciente, somados aos seus sintomas, o farmacêutico fica responsável principalmente em conhecer o histórico medicamentoso do paciente, questionando-o se já tomou outros medicamentos psiquiátricos anteriormente (se sim, por que trocou?), se sentiu melhora com a atual farmacoterapia, se sente algum mal-estar associado, entre outras e se faz uso de Substâncias Psicoativas (SPAs). Além disso, durante a internação, é o momento de realizar a escuta qualificada, farmacoeducação, monitorar possíveis RAM e avaliar síndrome de abstinência em caso de descontinuação de alguma substância. No momento da alta, orientar a pessoa e a família, assim como avaliar a necessidade de vigilância dos mesmos, em caso de ideação suicida.

5- Quais são as perspectivas dessa área de atuação?

A atenção em Saúde mental é necessária em todo e qualquer lugar que necessite atendimento à uma pessoa. Mas para elucidar quais são os equipamentos que compõem a Rede de Atenção Psicossocial e que podem ser área de atuação para os farmacêuticos, estão os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), serviços especializados que atendem os sofrimentos psíquicos graves e persistentes, Hospitais Gerais, Atenção Básica, SAMU, residências terapêuticas, atendimentos domiciliares, entre outros.

6- Quais cursos e dicas você poderia recomendar para os profissionais que desejam atuar nesse segmento farmacêutico?

Para uma atuação em Saúde Mental ser de qualidade é essencial unir a teoria com a prática, nesse caso, programas de residência multiprofissionais em saúde mental são mais recomendados para quem deseja atuar na área. Além disso, recomenda-se cursos complementares de farmácia clínica/cuidado farmacêutico, psicofarmacologia, leituras e grupos de estudos sobre escuta e atendimento na Saúde Mental, as bases de atuação do farmacêutico clínico nesta área.

Rachel Bedatt

@rachelbedatt
@equipe.interativas

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